por Matheus Alexandre
Desde o dia 7 de outubro, temos testemunhado uma significativa ascensão de manifestações antissemitas no Brasil. Segundo um relatório divulgado pela Confederação Israelita do Brasil (CONIB) em conjunto com a Federação Israelita do Estado de São Paulo (FISESP) em novembro de 2023, houve um aumento de cerca de 1000% nos casos de antissemitismo em outubro de 2023 em comparação com o mesmo período do ano anterior. O crescimento dessas manifestações antissemitas, direcionadas contra judeus brasileiros, ocorre em meio ao contexto do atentado terrorista promovido pelo Hamas e ao início da campanha militar de Israel na Faixa de Gaza, refletindo uma errônea responsabilização da população judaica brasileira pelas ações do Estado de Israel por parte de setores da sociedade brasileira.
Enquanto políticos de direita não hesitam em tomar medidas contra essas manifestações de antissemitismo, o que observamos por parte dos governos progressistas e de esquerda, especialmente na esfera federal, é uma completa omissão. Isso se explica por muitos motivos. Neste texto, elencaremos apenas quatro delas:
1. O campo progressista muitas vezes não reconhece o antissemitismo como um fenômeno social complexo e multifacetado. Especialmente, tende a não compreender como este evoluiu após a fundação do Estado de Israel e a influência da propaganda soviética nesse processo, especialmente através do uso do antissemitismo como pretexto para combater o sionismo. Estamos lidando, portanto, com uma forma de antissemitismo que atualiza os antigos libelos medievais e modernos: o antissemitismo contemporâneo.
2. Quando o tema do antissemitismo é abordado, é frequente que o imaginário do senso comum se volte imediatamente para as décadas de 1930 e 1940. Existe a percepção equivocada de que falar sobre antissemitismo implica necessariamente discutir o regime nazista. Sob essa compreensão, a reação inicial de alguém, especialmente dentro do campo progressista, ao ser acusado de antissemitismo, é contestar veementemente, argumentando que se trata de uma acusação absurda. Afinal, essa pessoa repudia, corretamente, a experiência nazista.
3. Devido a uma postura dogmática em relação à questão israelo-palestina, o debate sobre o antissemitismo se tornou um tabu no campo progressista. Aqueles que tentam iniciar essa discussão são frequentemente rotulados como tendo possíveis “más intenções sionistas”, mesmo que a causa palestina não seja a questão central em discussão.
O combate ao antissemitismo hoje é frequentemente interpretado pelo campo progressista como uma agenda “de direita para proteger Israel das críticas”, apesar de ser constantemente reiterado que criticar Israel e suas políticas não implica necessariamente em antissemitismo.
4. Os judeus não são percebidos pela esquerda hegemônica como um grupo historicamente racializado e minoritário; ao contrário, são vistos como uma minoria poderosa e privilegiada. Essa percepção, além de equivocada, frequentemente reflete antigos estereótipos, como o do “judeu rico”, “dominador”, “dono dos meios de comunicação”, entre outros.
Atualmente, os judeus, especialmente aqueles que não se alinham às expectativas políticas da militância de esquerda, são imediatamente adjetivados como “sionistas” e, portanto, como os “novos nazistas”. Essa associação entre judeus (ou melhor, “sionistas”) e os autodenominados “arianos” da Alemanha dos anos 1930 cria uma forma peculiar de racialização para os judeus: eles seriam, agora, hiper-brancos. Os hiper-brancos, portanto, não se encaixam na interseccionalidade dos movimentos sociais contemporâneos.
5. As bases sociais do campo progressista estão cada vez mais radicalizadas quando o assunto é o conflito Israelo-Palestino. Não há espaço para uma discussão ponderada, pautada pela racionalidade e com a busca por soluções intermediárias. Trata-se de uma postura que, sendo cada vez mais hegemônica, é inimiga da complexidade. Por isso, e por outros motivos já mencionados, essas bases engajadas, especialmente nas bolhas das redes sociais, não toleram qualquer discussão séria sobre antissemitismo. O silêncio de Lula, meses atrás, sobre o incidente em Praia Grande, na Bahia, foi um exemplo flagrante disso. Da mesma forma, a falta de uma política séria por parte do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania para combater esse tipo de preconceito e discriminação também é preocupante.
O antissemitismo é uma determinada percepção dos judeus, que pode se manifestar de várias formas, incluindo atos de ódio e violência simbólica, verbal ou física direcionados a indivíduos judeus e suas instituições comunitárias e religiosas. Embora tenha características próprias, o antissemitismo, assim como o racismo antinegro e anti-indígena, pode se apresentar de maneiras diversas. Essa complexidade ressalta a urgência de os progressistas brasileiros se empenharem em compreender essa questão e, principalmente, em dar voz aos judeus.