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ANTISSEMITISMO NO
BRASIL E NO MUNDO

Privilégio judaico

– por Norman Lewis

Nós judeus temos uma piada bem velha sobre o Holocausto: Abie Cohen, depois de ser morto numa câmara de gás e cremado em Auschwitz vai para o céu. Depois de algumas semanas de uma longa espera, ele finalmente consegue ver Deus e exige saber se os judeus ainda são o povo escolhido. Deus, surpreso, responde energicamente: “É claro que os judeus ainda são o povo escolhido! Como que você me faz uma pergunta dessas?” Abie responde: “Não dava pra escolher outro povo dessa vez?”

No dia 7 de outubro de 2023, o mundo e os judeus foram mais uma vez lembrados de que os judeus continuam sendo o povo escolhido. Como Saul Bellow escreveu em “To Jerusalem and Back”, somos o único povo no mundo ainda incapaz “de considerar o direito de viver como um direito natural”. Os algozes podem ser diferentes, mas o roteiro continua o mesmo: mais uma vez, judeus foram mortos simplesmente por serem judeus.

A dura realidade de não ter o direito de viver inevitavelmente moldou a identidade judaica, deixou muito fácil para os judeus exigirem reconhecimento como as eternas vítimas do mundo. Afinal, é exatamente isso que somos.

Mas isso seria um abraço de urso. De maneira mais óbvia, o surgimento da política de identidade sacralizou a vitimização, onde os judeus, que supostamente se beneficiam do “privilégio branco”, agora estão no lado errado da hierarquia interseccional e, portanto, não merecem tratamento ou reconhecimento especial. De fato, é esse senso de vitimização que alimenta grande parte do antissemitismo atual: em nosso novo universo moral, os judeus, e não o Hamas, são culpados pelo pogrom de 7 de outubro, enquanto os algozes são desculpados como vítimas da opressão israelense. Não somos mais vítimas, mas os algozes da vitimização.

No entanto, há uma dimensão ainda mais insidiosa para o fantasma da identidade judaica como vítima, uma que cede ao antissemita o controle sobre o destino judaico. Ser definido pelo antissemitismo, como Hannah Arendt argumentou em “O Judeu como Pária”, é um engano gigantesco, porque isso faz com que o judeu só possa existir através da contínua existência do antissemitismo. É por isso que ameaças externas e internas sempre assombraram a luta pela emancipação judaica. A noção do judeu existencial — o judeu definido pelos outros — é irreparavelmente auto-derrotante porque não pode escapar de ser cúmplice na preservação e perpetuação da hostilidade.

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