Texto originalmente publicado na Folha de São Paulo em 09/05/2024 que relata o fim do acampamento de alunos da Universidade de São Paulo (USP).
Manifestantes contra guerra na Faixa de Gaza destacam projeção que movimento ganhou e planejam novos atos.
Dois dias após iniciarem o primeiro acampamento pró-Palestina em uma grande universidade no Brasil, estudantes da USP (Universidade de São Paulo) decidiram em assembleia nesta quinta-feira (9) encerrar o ato de protesto. Segundo manifestantes, a mobilização que pede o fim de vínculos com instituições de ensino de Israel continuará em outras frentes.
O acampamento, inspirado em iniciativas que começaram nos Estados Unidos e se espalharam para vários países, havia sido montado na terça-feira (7) no vão do prédio de Geografia e História, na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas). As cerca de 30 barracas que foram erguidas no local começaram a ser desmontadas na noite desta quinta.
Na plenária que decidiu pelo fim do acampamento, João Conceição, 25, aluno de letras e um dos organizadores do movimento, disse que novos atos estão sendo planejados para os próximos dias, incluindo uma manifestação no dia 15, data que palestinos lembram o processo da nakba.
A palavra, que significa catástrofe em árabe, faz referência à diáspora forçada de palestinos durante a primeira guerra árabe-israelense, no fim da década de 1940. “Essa semana foi só a primeira de mobilização. Precisamos ganhar o coração dos estudantes nas universidades”, afirmou Conceição.
Os manifestantes dizem que não veem o fim do acampamento como uma derrota. Segundo coordenadores do protesto, estava prevista para esta quinta uma reunião na qual estudantes exigiriam que a USP desfaça convênios com universidades israelenses. O encontro, porém, foi desmarcado, e as barracas então foram montadas para pressionar a universidade a criar outros canais de diálogo. Na plenária desta quinta, os estudantes destacaram a projeção que o movimento ganhou.
Mais cedo, um pequeno grupo de manifestantes fez uma passeata que saiu da FFLCH e terminou na Aucani, setor da USP responsável pelos acordos de cooperação internacional. Durante o ato os manifestantes gritaram “Estado de Israel, Estado assassino. Viva a luta do povo palestino” e “governo Lula, eu quero ver a ruptura com Israel acontecer”.
Por determinação do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, o Exército adiou nesta semana a assinatura do contrato com a empresa israelense Elbit Systems de 36 viaturas blindadas de obuseiros 155 mm —espécie de canhão de grande alcance e precisão que será utilizado pela artilharia.
O contrato inicial para a entrega de um primeiro lote do equipamento militar seria assinado na terça (7), às 13h30, segundo comunicado interno do Exército obtido pela Folha. A nova previsão é finalizar a compra em até 60 dias.
Em dois dias, o protesto ganhou projeção nas redes sociais e passou a ser chamado de antissemita. Um dos momentos de maior tensão aconteceu quando um homem entrou em confronto com manifestantes e foi expulso do local. Em imagens divulgadas pelo site judaico Pletz, ele troca empurrões enquanto é acuado aos gritos por uma multidão. Depois, chuta um manifestante, que revida.
Em nota divulgada na terça (8), a direção da FFLCH diz que o respeito à livre manifestação é uma característica da USP e que o acampamento ocorre de forma pacífica. “Assim, sua diretoria vem a público dizer que vê com normalidade o exercício do direito de livre manifestação de seus professores, estudantes e funcionários”, afirma.
Os manifestantes não descartam retomar o acampamento. A mobilização poderá entrar na pauta de um plebiscito previsto para a semana que vem. Os alunos disseram ainda que vão doar parte dos valores arrecadados com o atual protesto para a tragédia no Rio Grande do Sul.
Os manifestantes organizam também um abaixo-assinado online em “defesa do povo palestino”, que até a noite desta quinta contava com 949 assinaturas. No texto, os estudantes acusam a Universidade de Haifa, a Universidade Hebraica de Jerusalém e a Universidade Ariel, todas com convênios com a USP, de desenvolver tecnologia empregada no que consideram o genocídio palestino.
A Universidade de Haifa coordena um programa de formação de oficiais das Forças Armadas israelenses, enquanto a Universidade Hebraica de Jerusalém mantém parcerias com o Exército em programas médicos e de capacitação de soldados. Já a Universidade Ariel está localizada em um assentamento judaico em território palestino —esses assentamentos são considerados ilegais pela comunidade internacional.