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ANTISSEMITISMO NO
BRASIL E NO MUNDO

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É antissemitismo sim, Gleisi

O sionismo não é uma ‘doutrina’, mas o movimento nacional de autodeterminação do povo judeu.

Artigo de Bruno Bimbi publicado em O Globo

‘Não é antissemitismo, mas antissionismo’, diz todo progressista que precise justificar preconceitos contra judeus. Diferentemente da extrema direita, que exibe seus ódios com orgulho, a esquerda os nega, indignada: como assim, antissemita, eu?

No Brasil, a segunda acusação seria própria da extrema direita. Quando nós, gays, denunciamos homofobia, a maioria da esquerda nos defende. Da mesma forma, quando negros denunciam racismo ou mulheres, machismo. Quando um judeu sofre antissemitismo, nada. É mimimi, vitimismo, lobby sionista — o avô do lobby gay.

Nesses dias, a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, deu um bom exemplo. Criticou a denúncia da Confederação Israelita do Brasil (Conib) contra o jornalista Breno Altman dizendo que a maior entidade judaica brasileira “age em nome” do governo de Israel. Agentes estrangeiros? Para entender por que essa fala não é “antissionista”, mas antissemita, precisamos voltar até 1894, quando o sionismo político ainda não existia.

Naquele ano, na França, o capitão Alfred Dreyfus, de 35 anos, foi condenado à prisão perpétua por traição, acusado de revelar segredos aos alemães. Era falso. As provas o inocentavam, mas o Exército e parte da imprensa insistiam: aquele “porco judeu” era um traidor! O escandaloso processo, que gerou uma crise política, virou acusação coletiva. Essa gente não acreditava que os judeus franceses, todos eles, pudessem ser leais à França. Aliás, eram mesmo franceses?

Theodor Herzl, futuro pai do sionismo, tinha quase a mesma idade que Dreyfus e estava em Paris como correspondente de um jornal de Viena. A perversidade do caso, que Émile Zola desnudou em seu manifesto contra o antissemitismo “J’accuse!”, levou Herzl à triste conclusão de que os judeus jamais estariam seguros até terem um Estado. Quando presenciou a cerimônia de degradação do militar e ouviu gritos de “Morte a Dreyfus! Morte aos judeus!”, sentiu que lutar contra o antissemitismo na Europa já era inútil.

No ano seguinte, escreveu “O Estado judeu” e, dois anos depois, na Basileia, organizou o primeiro congresso sionista. Herzl morreu em 1904, sem ver seu projeto realizado. Depois do Holocausto, quando Hitler provou que ele não exagerava, Israel finalmente nasceu. Desde então, a imensa maioria dos judeus do mundo é sionista (quer dizer, acredita que Israel precisa existir), mas os judeus da França ainda são franceses e os do Brasil, brasileiros.

A acusação de “dupla lealdade”, usada contra Dreyfus, continuou se repetindo na História e, desde que há um Estado judeu, ganhou nova forma: judeus do mundo inteiro são acusados de ser mais leais a Israel que ao próprio país. Foi o que Gleisi fez ao acusar a entidade que representa os judeus brasileiros de “agir em nome” de Israel.

É uma acusação antissemita de manual!

É provável que ela acredite honestamente no que disse e não perceba o tamanho do buraco onde meteu o pé. Está errada também em relação à denúncia contra Altman. Não foi por “criticar Israel”, mas, entre outras asneiras, por comparar judeus israelenses a ratos, algo como comparar negros a macacos.

Isso não é “antissionismo”, Gleisi.

Aliás, o sionismo também não é uma “doutrina”, mas o movimento nacional de autodeterminação do povo judeu. Há sionistas de direita, de esquerda, laicos, religiosos, com diferentes opiniões sobre o governo de Israel e a questão palestina. A única coisa com que todos concordam é o direito de Israel a existir, com as fronteiras atuais ou com outras.

A existir, apenas.

Se você também concordar (se não achar, como os assassinos do Hamas, que Israel tem de ser apagado do mapa), você também é sionista. Pode ter a opinião que quiser sobre essa guerra e, claro, pode não gostar de Netanyahu. Segundo as pesquisas, os israelenses também não gostam.

Mas, se você for contra a existência de um único país entre todos os países do mundo, justamente o único país fundado por judeus (e para proteger judeus), o que será que você é?

*Bruno Bimbi é jornalista, escritor, ativista LGBT, doutor em estudos da linguagem (PUC-Rio) e autor dos livros “Casamento igualitário” e “O fim do armário”, publicados pela Garamond

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